E se depois
O sangue ainda correr
Corre atrás dele
E se depois
O fogo te perseguir
Aquece-te nele
E se depois
O desejo persistir
Consome-te nele
E se depois
O sangue ainda correr
Corre atrás dele
M. M.
Na boca reacendo uma navalha de lume para sufocar a solidão, e as palavras que já nada podem revelar, nem ajudar. Falo e digo as coisas todas. Não penso nas palavras. Saem de mim para ti que as ouves e lhes dás importância, sentido e propriedade. Acreditas-me, e isso dá-me a força com que afasto os animais lendários da minha bebedeira.
Avanço então para ti numa dor de sangue, mastigando o pão amargo com que alimento as mãos ávidas de um oiro que não enriquece homem nenhum. Não tenho nada e, talvez por isso, eu nada temo: Nem a solidão dos teus ais nem todo o mar que há dentro do mar. Acredita-me: eu já nem medo tenho, é uma coragem desavergonhada que me leva para ti.
E são ainda essas palavras, que se dizem da-boca-para-fora, que pegam fogo ao sabor ácido das amoras que provei em Tomar aos 9 anos, num caminho de silvas e pó. Aos 9 anos tinha o cabelo fresco de sabão azul e branco, tão limpo que cuspia flores. Eu hoje só te tenho a ti.
Conjugo os verbos todos que conheço e nomeio substantivos
que adjectivo numa ânsia disparatada de ser entendido, enquanto as ideias me morrem rente à boca, asfixiadas. Julgo mesmo que habito essa vontade de dizer as palavras numa uma saudade de barco fundeado.
Lembro-me de uma música e de uma rima fácil mas por mais que te esfaquei encontro apenas decisões já tomadas e caminhos a seguir. Cavo-te fundo para encontrar esse pedaço de lua de açúcar que ilumina o precioso silêncio com que estudas toda a estratégia do nosso futuro.
Avanço finalmente pela madrugada que morre manhã dentro e vou a pé acendendo o fogo na calçada, vou cego e vou depressa e quero que saibas, enquanto persigo mais sangue: eu ainda aqui estou, ainda...muito.