OS DIAS DO CÃO / rjbernardo@hotmail.com

2003-08-07

Um dia, ao entrares no café, usando 336 palavras,
irás finalmente dizer-me:


O que eu amo em ti
não é esse ar de laranja
e esse olhar de seis da tarde
não é essa mania de mexer o cabelo
nem será a tua educação

O que eu amo em ti
não é essa tua boca de vinho
Nem os livros que leste, nem mesmo
o que sabes ou não sabes.
Não é tão pouco o teu exibicionismo
ou a tua timidez
Nem é o teu andar em marcha vagarosa

nem a doçura, a ternura, a candura,
a loucura, a pura frescura da tua pele de peixe vivo que já não tens
ou o teu cheiro de ar com um resto de perfume

nem o teu carro ( com ar condicionado)

Não, não é nem isso que eu amo em ti.
O que eu amo em ti
não é a tua preguiça esticada ao sol
ensombrada de impressionismo
não são os silêncios de que és feito
nem o instante que povoas
ou o mistério que às vezes te povoa,

Não é esse ar letárgico, trágico, trístico
tanguístico, místico com que te sentas à mesa deste café
e acendes um cigarro
somente para matar o tempo
entre ti mesmo e o mundo

Não é tua voz irónica e sábia
que me diverte os brancos da cabeça
nem mesmo a tua cabeça ou tua espiritualidade
ou a tua força, a tua certeza ou tua fragilidade.

Será a tua beleza?Ah, Ah Não, certamente não será isso

Nem o que amo em ti
é a tua gargalhada
que meu ouvido cheio do sol de Agosto quer ouvir.

Sequer o teu beijo
que te nasce na barba
nem é teu corpo de cão perdido.

Não é bem isso.

O que eu amo em ti
nem é o inesperado

O que eu amo em ti
...é o ar de filho da puta que a tua cara ganha sempre que me deixas sózinha no meio da rua a chorar,
É essa forma macia com que obrigas os outros a dizerem O que amo em ti não és tu!